quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Um novo amigo

É interessante eu até hoje nunca ter comentado nada a respeito dele, mas o Adib Kharman, motorista do asilo, é uma das pessoas com quem mais converso durante todo este tempo que estou aqui. Ele que não me escute dizendo que é motorista, pois ele vive dizendo que não é e dirige para nós porque ele quer, mas neuroses a parte, ele é funcionário da Cúria, e presta este papel de motorista do carro do asilo, que fica a disposição dos idosos e da Comunidade, quando é necessário. O Adib desce diariamente, depois do almoço, por volta das 14h, para levar os irmãos que trabalham em Haifa, no Centro de Evangelização, depois passa na Cúria, invariavelmente toma um cafezinho, fuma um cigarro, me pega, e voltamos pra casa conversando.
Ele é muito simpático, extrovertido e falante, me faz lembrar demais o Marco meu irmão. Tem 60 anos, casado e de família há gerações e gerações em Isifya. Me contou que nasceu dias após a criação oficial do Estado de Israel, e fala isso com muito orgulho: ser cidadão israelense. Diríamos no Brasil que o Adib parece candidato a cargo político em semana que antecede as eleições - exatamente a realidade atual na Terra Brasilis - conversa, conhece e cumprimenta Deus e o mundo! É habibi prá cá e habibti prá lá, impressionante! Se você não está com muita vontade de falar, basta fazer uma meia dúzia de perguntas certas que ele dá conta do recado. Tem um inglês bastante fluente pois antes de trabalhar na Cúria, por anos a fio, com os dois bispos anteriores, tinha um taxi e conviveu com turistas e mais turistas em Israel. Acho que o trauma com a função vem daí.
Teve uma briga feia com o bispo anterior, foi parar na justiça, e se aposentou. O Abuna Chacour para reconciliar, fez um acordo para tirar a Igreja destas situações delicadas diante da justiça, e convidou-o para voltar a trabalhar na Cúria, prestando serviço no asilo, que fica em Isifya, ajudando no que fosse preciso - e o que se precisava era de um motorista pois só a Lorena tem carteira internacional. O Adib aceitou e assim, tem contato direto conosco da Comunidade Shalom. É um católico melquita fiel mas de um jeito árabe de ser: nada de muita piedade explícita por parte dos homens. Eu faço um parêntesis aqui para expressar uma das coisas que sinto cada vez mais claramente: como também a Igreja da Terra Santa, também a Melquita com quem eu mais convivo, precisa de uma renovação espiritual, de um profundo derramamento do Espírito Santo sobre seus membros! Tanto os padres quanto os leigos, se fossem batizados no Espírito, viveriam com outro fogo e ardor, piedade e consciência a presença de Deus presente na riqueza de suas tradições, jamais pensada por mim que pudessem existir tão belas, que são os ritos, as orações, o canto, os ícones do rito greco-melquita que remonta a Igreja bizantina, primitiva.
Mas voltando para o Adib, tem horas que ele me cansa muito porque ele é daquele tipo meio do contra, dono da verdade, mas sua inteligência e simpatia me cativam e mesmo o seu jeito sendo meio difícil pra mim, ele acaba sendo um grande dom, uma grande possibilidade de abertura ao diferente, e a gente ri um bocado junto. Ele me conta mil e uma histórias deste país, dos druzi, dos judeus e dos cristãos, e já fez questão de fazer todos os roteiros de retorno de Haifa para Isifya possíveis para eu poder conhecer. Tem muitas curiosidades a respeito de Haifa que eu só sei porque ele me contou e mostrou, como por exemplo a placa fixada na entrada de um prédio, na parte chique e alta de Haifa, em homenagem aos passageiros de um ônibus, mortos num atentado a bomba se eu não me engano em 2002.
O Adib foi uma das únicas pessoas 'estranhas' que me deu um presente no dia do aniversário, um pequeno menorah que eu guardo com carinho, e que enfeita minha mesinha de cabeceira, e mesmo ele sendo uma pessoa às vezes um pouco impertinente, acho que por conta das diferenças culturais, eu o considero um amigo e tenho uma certa convicção que a recíproca é verdadeira.

Nenhum comentário: