quarta-feira, 30 de março de 2011

A História da Quaresma

Meu amigo e irmão de muitos anos, Pe. Emílio César Cabral, me enviou esta homilia que ele preparou para partilhar com a comunidade de Guaiúba, onde ele é pároco, e como achei-a bem didática, partilho-a, para que possamos viver mais conscientemente este tempo de tantas graças de libertação e renovação de vida que o Senhor quer nos dar. Guaiúba fica a uma hora de Fortaleza e é uma cidade do interior. Me faz lembrar de certa maneira a vila drusa onde vivo... gente da roça tem sempre algo em comum, ahahaha! 

Continuemos rezando uns pelos outros e asseguro aos meus irmãos e amigos do blog que os guardo sempre em minhas orações. É tempo de recomeçar!

O SENTIDO DA QUARESMA

Guaiúba, 24 de março de 2011.
(Homilia para o início do retiro da Quaresma)

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Caros irmãos e irmãs em Cristo,

Iniciamos o tempo da Quaresma que tem por objetivo principal preparar a Páscoa. A Igreja toda se prepara para celebrar a paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor através destes “quarenta dias” (quadragésima daí a palavra quaresma). Os adultos que já estavam se preparando para o batismo há um longo tempo (1, 2, 3... anos) vivem estes últimos dias como num grande retiro que os conduz a diversos graus de iniciação que culminará na vigília pascal com o batismo. Os fiéis (já batizados) aproveitam a quaresma para lembrar e renovar a maior graça que receberam em vida, o batismo, e para se preparar pela penitência para celebrar a morte e ressurreição de Jesus .

Para entender melhor este tempo litúrgico e suas implicações para nossa vida e comunidade é importante conhecer um pouco da sua história .

A celebração da Páscoa, nos três primeiros séculos, reduzia-se a um jejum realizado nos dois dias anteriores. A comunidade cristã vivia tão intensamente, até o testemunho do martírio (era tempo de perseguição), que não sentia necessidade de um período para renovar a conversão já acontecida com o batismo. A alegria da celebração pascal, porém, era prolongada por cinquenta dias (Pentecostes).

O imperador Constantino no ano 313 publicou um edito que declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso . Na prática, isso implicou no fim da perseguição oficial realizada especialmente contra o cristianismo. Em 380, outro imperador, Teodósio, tornou o cristianismo a religião oficial do Estado. Ser cristão começou a se tornar fácil e, pior ainda, um status. Muitos começaram a se “converter” ao cristianismo com o objetivo de ganhar os favores dos governantes. A partir de então, começou-se a sentir necessidade de um período que ajudasse a exortar os féis sobre a necessidade de uma maior coerência com o batismo .

A quaresma foi se formando progressivamente, em primeiro lugar como momento penitencial preparatório à Páscoa. No começo se fazia uma semana de jejum, no século IV se acrescentou outras três formando-se assim quatro semanas.

O costume de inscrever os pecadores à penitência pública quarenta dias antes da Páscoa determinou a formação de uma “quadragésima” que caia no VI domingo antes da Páscoa (domenica in quadragésima) . Como não se celebrava rito penitencial em dia de domingo (e tal era o rito de inscrição dos pecadores à penitência), fixou-se este ato para a quarta-feira anterior. Toda quarta-feira era dia de jejum, assim nasceu a “Quarta-feira de cinzas”.

A partir do IV século, a estrutura da Quaresma é aquela dos quarenta dias, considerados à luz do simbolismo bíblico: quarenta dias que Jesus passou no deserto jejuando; quarenta anos que o povo passou no deserto antes de entrar na terra prometida; quarenta dias que Moisés esteve no monte Sinais antes de receber as tábuas da lei; quarenta dias que Elias caminhou para o monte de Deus (Horeb) alimentado apenas pelo pão cozido sob as cinzas e pela água; quarenta dias que Jonas pregou a penitência aos habitantes de Nínive.

No tempo dos Padres da Igreja os quarenta dias da Quaresma eram contados do primeiro domingo até a quinta-feira da Ceia do Senhor. Contudo, o costume de iniciar o jejum quaresmal na quarta-feira que antecede o primeiro domingo de quaresma é muito antigo (séculos VI-VII). O rito da imposição das cinzas próprio desse dia fez que a Quarta-feira de Cinzas se difundisse mais que outros dias mais solenes. Por isso, a Igreja Católica ao reformular o ano litúrgico, não modificou esse costume da prática comum dos fiéis .

A partir desse breve histórico, podemos dizer que os seguintes aspectos contribuíram para o desenvolvimento da Quaresma:

1. A prática do jejum como preparação para a Páscoa;

2. A disciplina penitencial;

3. As exigências crescentes do catecumento para a preparação imediata ao batismo que acontecia na Vigília pascal.

Por tudo isso que vimos, podemos dizer que a Quaresma é tempo de lembrarmos e renovarmos a grande graça recebida no batismo: Jesus nos deu uma fonte de água que jorra para vida eterna (evangelho do terceiro domingo do ano A); Jesus, luz do mundo, curou a nossa cegueira de nascença (evangelho do quarto domingo do ano A); Jesus, ressurreição e vida, nos libertou da morte do pecado (evangelho do quinto domingo do ano A). Para acontecer esta renovação precisamos ir com Jesus ao deserto passar quarenta dias (evangelho do primeiro domingo). Todos os dias, durante pelo menos dez minutos, deixe seus afazeres, sua televisão, suas conversas com os vizinhos e amigos e faça um momento de oração. Sugerimos que você reze uma estação da Via-sacra por dia e depois leia três vezes o evangelho do domingo seguinte. No final, faça um momento de silêncio e perceba a palavra que Jesus falou para você através daquela oração. Talvez você me diga, “padre, eu não tenho tempo”. Será mesmo? Se você diminuir o tempo que passa na frente da televisão, ou se conversar menos com os vizinhos, ou mesmo se acordar dez minutos mais cedo? Lembre da primeira resposta de Jesus ao tentador: não só de pão vive o homem mas de toda palavra que sai da boca de Deus (Mt 4,4). Nós, seres humanos, não vivemos só de conversas, trabalhos, sono... mas vivemos de Deus e de sua Palavra. Nossa oração e escuta do Senhor é tão importante para nossa existência quanto a refeições que precisamos fazer ao menos três vezes ao dia.

Com a oração Deus vai nos mostrar nossos pecados e nos conduzir a uma penitência que nos ajude a vencer estas fraquezas. Pode ser o jejum e a abstinência próprios das sextas-feiras; a renúncia a conversas que acabam quase sempre em fofocas; diminuição ou mesmo abolição da televisão, durante este tempo, para se dedicar mais à oração pessoal e comunitária; etc.

Todas estas formas de sacrifícios precisam ser feitos em vista da esmola/caridade. Não adianta você renunciar a televisão, se trancar no quarto para rezar e deixar sua mãe desesperada arrumando a casa. Ela lhe chama para ajudar e vc responde: “posso não, estou rezando”. Também não teria sentido vc deixar de participar dos grupinhos de comadres e passar por elas e dizendo: “o padre disse que vcs são um bando de fofoqueiras, eu é que não vou me misturar”. Ou então fazer jejum a pão e água toda sexta-feira e aproveitar o dinheiro que sobrou no final do mês com alimentação para engordar a poupança. Aí eu pergunto: onde está a esmola/caridade? Toda penitência tem que ser em vista do outro. É muito melhor vc prometer a Deus a renúncia a algo que vai ajudar seu relacionamento com o próximo do que fazer uma grande renúncia que só vai “servir” para vc mesmo.

Por fim, precisamos dizer que a penitência quaresmal não é o objetivo último. A Quarema serve para preparar a Páscoa; a oração, o jejum e a esmola para ajudar a graça de Deus formar em nós um homem e uma mulher novos. Isso é o que descobrimos com o evangelho do segundo domingo, o da Transfiguração de Nosso Senhor no monte. Jesus é transfigurado diante dos três discípulos que tinham ouvido o anúncio da sua paixão e morte para que eles não se deixassem abater pelo peso dos acontecimentos vindouros e soubessem, por antecipação, qual o destino último do Mestre e quem ele é (Deus). Com este evangelho criamos ânimo porque percebemos o sentido da nossa penitência quaresmal: ser transfigurados em homens e mulheres novos.

Aproveite, então, a Quaresma para uma renovação da sua vida de batizado.

Que Deus abençoe a cada um e a toda comunidade.

domingo, 27 de março de 2011

Um Convite

Passei dois dias em Nazaré por causa da Festa da Anunciação. Sempre gostei particularmente deste mistério de plenitude dos tempos conforme está em Gálatas 4,4 onde Deus entra novamente na vida, na carne, na realidade humana em sua totalidade ao se encarnar no seio de Nossa Senhora. O Filho de Deus, Jesus Cristo torna-se Filho do Homem para sempre. Nunca mais precisaremos ficar afastados de Deus e do seu amor e presença porque Ele tomou a iniciativa de vir e no tempo perfeito dos desígnios do Pai, ficar no meio de nós, cumprindo as Escrituras do povo de Israel, através da Virgem Imaculada de Nazaré que dá o sim perfeito em nome de toda a Humanidade.

Ele, Jesus o novo Adão e ela, Maria, a nova Eva, modelo da Igreja, da Esposa, de todos os que até o fim dos tempos amarão  a Jesus Cristo como Senhor e Messias. Todo sim que damos é como um eco ao sim perfeito de Nossa Senhora dado em nome de toda a Humanidade... E confesso, é uma grande emoção rezar e pensar e me debruçar diante deste grande e terno mistério diante da Gruta da anunciação em Nazaré. Eu não sei nem o que dizer e nem como agradecer, e nem digo nem penso. Fico só quietinha sem perder a oportunidade de trazer e apresentar comigo todos os nomes e situações, todas as pessoas que me pedem oração e que a mim estão ligadas de uma forma ou de outra. 

Na vigília do dia 24 enquanto o Santíssimo Sacramento passeava no meio do povo, entre peregrinos comovidos de todos os rotos e línguas, eu olhava para Jesus e debulhava rapidamente os nomes mergulhando-os no coração do Senhor que tanto nos ama e quer nos dar a Sua paz, colocando ordem em nossa vida, por Sua Graça e Presença. Quanto mais rezo e intercedo mais tenho convicção de que o Senhor quer nos livrar das cadeias do mal que nos afligem pelos nossos próprios pecados e pelos pecados dos outros lançados sobre nós e que nós carregamos sem necessidade...

Uma amiga do Rio de Janeiro que é do Opus Dei está fazendo uma campanha através do blog que ela mantém que é um convite à confissão. Está no link que segue no fim deste post. Um convite a pararmos e tomarmos a decisão de dar o remédio certo para a doença certa que é o sacramento da confissão sacramental. Disse o Santo Padre Bento XVI que o mundo perdeu a noção de Deus e portanto perdeu a noção do pecado e do arrependimento, porque perdeu a fonte da Luz verdadeira. Só se enxergam as sombras se olharmos para a Luz. E arrependimento não é culpa nem justificativa. Arrependimento é reconhecer o núcleo da minha liberdade ainda intacta mal dirigida pela minha vontade. É reconhecer onde eu me deixei levar por mim mesma a agir e pensar e viver segundo as concupiscências e o meu grande e escravizante ego e não segundo a Palavra de Deus.

Só quem reconhece que tem liberdade é capaz de se arrepender e esta é uma grande graça que Deus nos quer dar, ou melhor, está a disposição para quem quiser acolher. Quem é eternamente vítima continuará sendo e se fazendo vítima até mesmo de Deus como se Deus fosse o culpado do pecado do mundo! Achei essa idéia da minha amiga muito especial e peço ao Senhor que muitas pessoas a acolham e a coloquem em prática e façam como o filho pródigo e digam: 'pequei, Pai!'. Só assim o abraço do Pai pode ser experimentado e a festa que é a Eucaristia, a festa do banquete dos filhos e das filhas pode ser vivida! A festa dos que conhecem a misericórdia e querem viver uma nova vida no Amor e na Verdade e não mais uma vida complicada de escravos derrotados...

O Reino de Deus está no meio de nós e eu tenho a impressão que na eternidade o Pai, a cada ano, prepara muitos cordeiros a espera de que seus filhos voltem principalmente os mais feridos e desesperançados, os mais desapontados com as misérias humanas da própria igreja, ou seja a casa do Pai (não era assim entre os dois irmãos? ciúme, competição, um desentendimento total de quem era esse Pai e como era esse amor?) e voltem para viver um tempo novo. O Pai nos espera. Jesus nos espera e Ele toma a iniciativa e diz não só para a samaritana mas para cada um: tenho sede, dá-me de beber. O Espírito Santo nos espera para nos revestir de vestes de novas, de amor novo, de fé nova, de esperança e dignidade novas onde nós deixamos de depender das pessoas e passamos a depender do Senhor e Ele nos dá a água viva que mata toda a sede e jamais seca.

Preciso correr. Também eu depois de agradecer ao Senhor pelo dom da minha consagração no dia 25 de março, preciso me confessar desde hoje, sem esperar até o fim da quaresma, arrependida dos meus pecados e muitas fraquezas, abandonando-me mais uma vez ao amor do Senhor pedindo que sua vontade se cumpra em mim pois nela encontro toda paz, sentido de vida e felicidade.

Shalom! Santo e feliz Domingo da quaresma para cada um! 

http://bit.ly/Confissaopascal

quinta-feira, 24 de março de 2011

Sobre os Atentados

Queridos todos, fiquem em paz. Apesar de ter muito zun-zun-zun em Jerusalém e na televisão e as negociações estarem acontecendo, a vida continua normal em Israel. De certa maneira todos os anos há rumores de guerra e graças a Deus ela não acontece. Espero que seja assim mais uma vez apesar das agitações dos países vizinhos. Há tensão no ar mas estamos bem e nada na nossa rotina foi alterado. O atentado foi horrível como também as mortes na região da faixa de Gaza e nos assentamentos. Só não podemos deixar de rezar porque por mais que não pareça a oração é a nossa maior força. Peçamos o milagre da paz e das negociações pacíficas com fim dos extremismos, seja de Israel seja da Palestina. A grande maioria das pessoas quer a solução dos dois estados. Ofereçamos nossos pequenos sacrifícios também por esta região do mundo que precisa tanto de Shalom...

No mais sigo hoje para Nazaré porque amanhã é Festa da Anunciação. O Filho de Deus se fez carne no seio de Nossa Senhora! Ela disse Sim revertendo o Não de Eva que deu mais atenção à palavra do enganador do que à Palavra de Deus, e a História da Humanidade foi refeita para sempre. Esta festa tornou-se ainda mais preciosa para mim porque nesta data me consagrei ao Senhor no Carisma e na Vocação Shalom como leiga depois de anos de 'convivência', términos e reconciliações... uma verdadeira história de amor! E quero continuar imitando Nossa Senhora e dizendo sim, sim e sim mais uma vez à vontade do Senhor, à Sua Palavra. Sei que se formos provados aqui em Israel ou em qualquer cidade ou país do mundo, não o seremos além de nossas forças e o seremos com o único fim de crescermos e sermos mais maduros no amor e na confiança. É bom lembrar que somos todos chamados a uma mesma vocação, a vocação de ser fermento. Por mais desaparecido e insípído que ele pareça - ou não apareça na verdade - é o fermento que faz o pão crescer para alimentar a muitos depois.

Darei mais notícias assim que as tiver. Continuemos unidos como Igreja, como irmãos no mistério do Corpo de Cristo que faz comunhão. Eu não me esqueço um dia sequer da família espalhada por esse Brasil, dos amigos do Rio, de São Paulo, de Fortaleza (parabéns Jan hoje é seu aniversário!), dos irmãos de Comunidade, de quem se recomendou às minhas orações. Por causa da experiência missionária parece que meu coração se expandiu e meu olhar ve mais longe. Obrigada pela oração e pelo carinho de todos que tem me escrito preocupados com o que está acontecendo ou o que pode acontecer. Vamos confiar, rezar, esperar e pedir que o Senhor ilumine com o Seu Espírito quem pode fazer alguma coisa em pról da paz e do diálogo.

Shalom! Rezem por mim e por todos os missionários da Terra Santa. Amanhã eu apresentarei à Nossa Senhora, a S.José e também à Santa Teresinha que chega com as relíquias para ficar dois dias em Nazaré, os pedidos de cada pessoa que se recomendou às minhas orações.

Deus é bom e sua misericórdia dura para sempre! Que tudo o que existe em nós bendiga o seu Santo Nome!

domingo, 20 de março de 2011

A visita de uma amiga

Eu fiz de tudo ontem, dia 19 de março, para conseguir uma flor nova para dar para S.José mas não teve jeito, tive que cortar um pedacinho da haste da flor antiga, renovar a água, tirar umas pétalas mais murchinhas e dar de novo a mesma flor para ele. A flor é antiga mas o amor é novo e a gratidão enorme, ele sabe.

Desde que cheguei em Israel e conheci Jerusalém e a esplanada do Templo passei a rezar de outro jeito, com outra imagem interior o mistério gozoso da apresentação de Jesus no Templo pelas mãos de seus pais Maria e José, Myriam e Yussef. Estando eu também fisicamente distante de minha mãe e de meu pai, já na eternidade há tantos anos, e precisando mais do que em qualquer outra fase de minha vida, de ajuda e intercessão para de fato viver a graça extraordinária da missão que o Senhor me concedia, me confiei a Nossa Senhora e a S.José para que eles me adotassem. E eles aceitaram! A gente não tem que 'imitar' Jesus em tudo, porque não também nisso? Mas quando falo nessa adoção, não é tanto uma idéia romântica, meio inocente e infantil, como se eu estivesse falando de um conto de fadas que a Branca de Neve agora é minha amiga. Não. É o desejo espiritual da alma de mergulhar e abraçar o mistério da comunhão dos santos que faz parte da fé e da vivência católica. Tudo nos é dado por Jesus e em Jesus, mas é maravilhoso ir a Ele em família, em comunidade, junto com toda a Igreja e com aqueles que nos são mais próximos... Nossa Senhora nem precisa falar porque Ela é a Mãe de todos até de Deus - Theotokos! - mas S.José, o esposo de Maria, como está no evangelho é aquele que nos alcança qualquer graça. A flor de ontem era velha mas a amizade e a confiança na intercessão dele é sempre maior. Eu sei que aprendi isso da minha mãe mas hoje em dia conheço a intercessão dele na minha própria vida e história. Santa Teresa d'Ávila, que era 'apaixonada' por ele, dizia que S.José é o santo que nos ensina a rezar, principalmente nos leva à contemplação, realidade que ele viveu como ninguém. Nós todos que somos chamados à contemplação como carisma Shalom, mas também tantos outros a quem o Espírito Santo tem chamado a uma vida de oração mais profunda pela Lectio Divina, é bom contar e pedir a intercessão e ajuda de S.José. Às vezes a gente pede muita coisa material a ele mas esquece de pedir que ele nos ajude a amar e conhecer Jesus como ele conheceu... 

Este parágrafo foi escrito antes da minha saída há poucas horas, para celebrar a chegada das relíquias de Santa Teresinha à Isifya, recebida com pompas de celebridade, como aquela que é amiga dos que são amigos de Jesus. Teresinha nunca esteve na Terra Santa mas sendo padroeira das missões e de todos os missionários sempre desejou conhecer a terra de Jesus e dos apósotolos, onde a Igreja nasceu. Deus a ama tanto, disse uma carmelita ao explicar sobre as relíquias, que até hoje gosta de dar mimos e de alegrar o coração de Teresa. A festa foi muito linda com centenas de pessoas e muitas pétalas de rosa e papel picado, balões...

Ela chegou em Israel no dia 14 ficando em Jerusalém até o dia 17 quando chegou em Haifa. Foi uma grande festa! Às 12 horas as relíquias - uma grande urna - chegaram de carro e um grande número de pessoas as esperavam, principalmente jovens e crianças de todos os colégios católicos, carregando faixas e cartazes. Os três bispos dos três principais ritos católicos, mais as autoridades carmelitas, o Prefeito de Haifa, o Prefeito da região de Lisieux que acompanhou as relíquias nesta viagem, mais televisão de Israel, Tele Lumiere que é a TV libanesa mais importante da Igreja no Oriente Médio, canais de rádio, estavam todos lá. Foi um evento em Haifa! Teresinha causou uma revolução e o povo andando e cantando no sol fez procissão até entrar na igreja de S.José, de rito latino os as relíquias ficaram abertas ao público por dois dias e meio de 9 às 11 da noite.

Na sexta-feira, dia 18 houve uma missa que me tocou profundamente o coração pelo que significava: sinal de unidade nos ritos e entre o povo de Deus. Como a igreja latina de S.José, que está sob a responsabilidade dos carmelitas, é um  um templo enorme, maior que a catedral melquita, foi acertado que a missa no rito melquita, presidida pelo nosso bispo Elias Chacour, seria celebrada na igreja latina. Que grande Eucaristia! Rostos e povo de Deus dos dois ritos no altar e nos bancos literalmente lotando a igreja e como o milagre da unidade é ação dos homens movida pelo Espírito de Deus, era notável que Teresinha intercedia pela Igreja da Terra Santa, pela comunhão dos corações que se alimentam do mesmo Corpo do Senhor. Eu senti profunda gratidão por estar presente e ver o que estava vendo.

A vida é de fato um mistério que conjuga dor e amor de uma maneira que só mesmo Deus tem a compreensão plena em sua sabedoria infinita. Enquanto nos alegrávamos aqui intercedíamos ao mesmo tempo pelos irmãos japoneses que participam da Cruz do Senhor e que O tem muito perto pelo sofrimento que passam. Ou ainda pela Líbia e pelo povo líbio subjugado por um ditador desumano e ensandecido de poder inspirado sabemos bem por quem... E no coração a gente é capaz de se alegrar e de sofrer ao mesmo tempo enquanto se une aos outros no amor de Jesus que cobre tudo.


Como disse as relíquias chegaram à tarde em Isifya. Passaram pela igreja de S.Charbel, maronita e seguiram para a igreja melquita de S.Elias. De novo o bispo latino, D.Marcuzzo, mais D.Elias principal celebrante e mais uma fatia do povo de Deus. Só no Natal vi a igreja tão cheia. Fizeram um banner gigante com a imagem interior da igreja com uma foto famosa de Teresinha, de corpo inteiro, sobreposta, como se ela entrasse na igreja. Muito bonito. E no fim da missa o povo em fila - mais ou menos porque árabe não faz fila de gente nenhum! :-) -se aglomerava para rezar junto das relíquias e é claro, chegou a minha vez e eu rezei por Deus e o mundo! Pode ter certeza de que eu também rezei por você, mas se quiser deixar mais um pedidozinho ou uma intenção especial, escreva para mim pois eu farei questão de rezar.

Teresinha vai 'passear' em Israel e abençoar o povo de Deus e todos aqueles que precisam de Deus mas nem sabem como fazer para se aproximar dele, até o dia 31 de maio, portanto tem tempo e haverá outras oportunidades. Sei que a Igreja estava totalmente enfeitada de rosas cor de vinho, belíssimas, aos montes e quando eu me levantei para dar vez para outra pessoa rezar junto às relíquias, uma pessoa me deu um botão de rosa lindo e eu, assim que entrei em casa, entreguei para S.José. E disse que era meu e de Teresa. Acho que ele ficou feliz.
 
Este endereço abaixo é para promovermos sempre mais a vida. Foi feito na Espanha e vale a pena ser visto e divulgado.
 
Campaña por la vida 2011

www.youtube.com/watch?v=iKxfhJy43n0

domingo, 13 de março de 2011

Made in...Holy Trinity


Desde quarta-feira de Cinzas a temperatura em Israel baixou drasticamente e ponto de de termos neve nas vilas mais altas no extremo norte do país na direção do monte Hermon. Infelizmente não em Isifya mas os casacos e ponchos mais pesados como o da foto, prestes a serem guardados com a proximidade da primavera, continuaram conosco. E a chuva tem caído também forte e fiel como o país precisava. Gueshem, harbeh gheshem, chuva, muita chuva se diz em hebraico. Palavra linda aos meus ouvidos.

Passei um dia e uma noite descansando no Carmelo de Haifa, que é internacional com 22 religiosas de 13 países, se não me engano, e esta da foto, Ir.Dorothéa, brasileira de S.Paulo, tornou-se uma amiga e também uma intercessora da família, em especial dos meus sobrinhos e sobrinhas. Tirei esta foto para que todos pudessem conhecer o rosto da 'madrinha carmelita'. Grande graça ter uma contemplativa rezando pela gente. Eu pretendia fazer um retiro mas me dei conta que precisava dormir primeiro sem ter hora para acordar e foi o que fiz de sexta para o sábado. Como foi bom! Depois rezei e de lá voltei ao ritmo normal: pastoral hebraica, casa, faxina e confronto com muitos emails atrasados a responder...

Nossa casa em Isifya aos poucos vem se mostrando um bom lugar para retiros pequenos, retiros para os outros porque, afinal, eu moro aqui. E foi o que aconteceu este fim de semana: enquanto eu ia para o Carmelo um grupo de dez pessoas contando com os três da Comunidade, veio fazer um Seminário de Vida no Espírito Santo em Isifya. Estas são pessoas do grupo de oração de iniciantes, na faixa dos 20 e muitos anos. Hoje me pediram que falasse sobre o Batismo no Espírito Santo e com que gratidão eu peguei minha velha e primeira bíblia, literalmente caindo aos pedaços, e fui buscar e encontrar minhas anotações e descobertas de Jesus e Sua Palavra a partir de 1979. Quanta bondade e fidelidade da parte do Senhor e que paciência comigo! Quantas maneiras de me cercar e atrair e me revelar o Seu Amor me fazendo chegar onde estou... E o testemunho de minhas buscas, fraquezas e resistências até ter condições de me consagrar no carisma Shalom e abraçar a Comunidade com liberdade, gerou curiosidade nas pessoas e também esperança. Sem dúvida o segredo e a chave, penso eu, foi a experiência do Batismo no Espírito Santo que me deixou na alma e na consciência uma marca que sempre foi muito além do discurso e das palavras. É a marca do Amor de Deus, do desejo da Verdade que pulsam e brilham e inquietam sem cessar. A gente até anestesia, põe panos, adia, distrai, esquece, mancha pelo pecado, se convence do que não tem convencimento, mas a Voz do Amado e Sua Presença permanecem lá. É o selo colocado no coração onde se lê: alma esposa, Made in Holy Trinity. Fazer o que?

Olhando para trás enquanto me preparava e enquanto partilhava percebo que só há uma coisa a fazer no que se refere às coisas de Deus: ser simples e voltar para casa. Abrir-se novamente ao Espírito Santo e pedir sua interferência, um novo toque da graça, uma nova epíclese pessoal e comunitária. O desejo de que a presença do Espírito faça novas todas as coisas e realidades também se apreente neste tempo de quaresma pois sem Ele é impossível conhecer Jesus. Sem o Espírito é impossível viver como Deus nos convida a viver, ou seja, como filhos.

Vivo este tempo de quaresma com este espírito desejoso de comunhão mais profunda com o Senhor, menos palavras e discursos e mais amor e compromisso, menos texto e mais kenosis, menos justificativa e mais arrependimento, menos excessos nos sentidos e mais interioridade e oração, mais escuta da Palavra... mais louvor, mais amor. Mais intercessão pelos sofrimentos do mundo e menos centralização em mim.

Que Deus nos ajude a viver estes dias com Jesus e perto dele, aprendendo com Ele a vencer as mentiras do demônio que desde sempre distorcem a Verdade, aprendendo como ser filho-filha, made in Holy Trinity, encharcados e dependentes do Espírito Santo para que a vontade do Pai se manifeste, Ele que não quer que se perca nem um só de seus filhos.

sábado, 5 de março de 2011

Pele de Dragão Coração de Menino

Com quase três meses de atraso consegui ver o terceiro filme das Crônicas de Nárnia, 'A Viagem do Peregrino da Alvorada'. Pena que não foi no cinema como assisti os dois primeiros filmes, mas na telinha do meu laptop em sessão privada debaixo do cobertor uns dias atrás. Em duas etapas porque é raro ter duas horas inteiras livres para 'ir ao cinema', mas só posso dizer que gostei demais: produção, atores - como a Lucy cresceu! - roteiro, fotografia. O mais tocante, porém, é o texto de C.S.Lewis nas falas e presença de Aslan, o grande Leão de Nárnia. Quem aprendeu a se encantar com contos de fada, jamais perde este gosto.
Da trilogia apresentada até agora talvez este seja o mais abertamente cristão de todos pois Aslan, ao se despedir de Lucy e Edmond, diz que aquela era a última visita deles à Nárnia e que a partir de então eles teriam que encontra-lo com outro nome no mundo para onde voltavam. E a gente sabe que Nome é este mesmo sem ter ido à Nárnia...

Neste filme Aslan fala pouco, aparece pouco, só em momentos decisivos, mas sua discreção também me pareceu importante. Vou comentar o que mais me tocou a sensibilidade e que me fez pensar. A primeira situação é quando ele interfere na grande crise de identidade revestida de inveja que a Lucy passa, ao se comparar com a prima Suzana. Aslan interfere porque a ama e a leva a pensar e novamente a optar pela verdade que liberta. Aslan devolve-lhe a liberdade de querer ser somente ela mesma com toda a beleza que isso implica. Beleza e responsabilidade pois, lembrando as leituras do filósofo Romano Guardini que tanto me marcaram a visão de mundo e da vida, eu sou o primeiro presente dado a mim mesma, dado por Deus que me criou. Eu preciso me receber do jeito que sou das mas de Deus Pai!

Mais que a vida genérica Deus cria a mim, pessoa, e me dá a mim como dom precioso do seu amor criador de Pai! Este é um grande e libertador aprendizado: receber-se como dom! Daí não precisar invejar mas gastar energia e tempo buscando ser e receber-se e reconhecer-se como obra de Suas mãos! Esta situação do filme é belíssima e é uma lição tão bem aprendida pela Lucy que ela a ensina para a menininha a quem protege e para quem é heroína. Mas acho que Lucy também falou para muitos espectadores e fãns. 

O próximo comentário vai para a figura especial, chatíssima e desconcertante do Eustáquio. Ele é a representação do que há de insuportável em cada um mesmo sendo um menino, um simples menino... A metamorfose pela qual ele vai passando no decorrer da história me fez pensar na própria caminhada de amizade com Jesus. Tantas vezes temos tantas resistências e achamos os que já caminham a mais tempo uns lunáticos, exagerados, alienados, etc, etc. Entramos no barco como Eustáquio, murmurando, meio a revelia, por acaso, e às vezes temos a impressão depois da primeira fase de festa, quando o 'retiro e a música terminam' e nos resta viver somente, que em vez de melhorar estamos é piorando. O monstro que há no Eustáquio vem para fora e parece não ter mais jeito de consertar. Também conosco é assim: enquanto não fazemos a experiência de tocar a própria miséria, fraqueza e pecado, impotência, carência, a dor, a dor pelos paradoxos da vida, não encontramos a salvação. 

Importante nesta fase do filme a presença do Ratinho que não desiste de ser amigo de Eustáquio e que o ajuda a descobrir o próprio coração, o coração humano, de gente, de menino, capaz de ser bom, de se arrepender, de mudar. Deus sempre providencia 'Ratinhos' - amigos e irmãos, Seus instrumentos - para nos ajudarem a fazer esta descoberta depois que eles mesmos fizeram. E assim a Caridade de Cristo (de Aslan!) vai sendo experimentada, tocada, bebida, vai sanando as dores e a solidão.  Não é fácil a gente se deixar tocar nas sombras e nas durezas do próprio coração. Creio que seja a fase em que a gente faz muito, trabalha muito, ensina muito, produz outro tanto com eficácia e sucesso - não foi assim com Eustáquio prestando o grande serviço de puxar o navio em pleno nevoeiro para o seu destino? - mas isso não basta. Continuamos com a pele de dragão. Não basta fazer, tem que ser. E no campo do ser, do arrancar a capa de dragão, as defesas do dragão, a violência do dragão, enfim, a inadequação de parecer ser aquilo que não se é, para ser aquilo que se é verdadeiramente que Aslan precisa interferir. É a hora do encontro dos dois corações. O coração humano com o Coração Humano e Santo, três vezes Santo de Jesus.

Neste filme mais uma vez, vimos a bela cena deste encontro entre Eustáquio e Aslan, como no primeiro filme entre Edmond e Aslan. E ouvimos o grito do Criador salvando a criatura amada e devolvendo-a a si mesma como uma nova criação. E não é exatamente esta realidade espiritual absoluta capaz de nos revolucionar completamente chamada sacramento do batismo que recebemos um dia? E não é o aprendizado de se viver graça a graça o batismo a experiência de santificação, transfiguração, salvação, união de amor? Aslan apresenta o verdadeiro Eustáquio ao Eustáquio e o devolde à família, aos amigos como nova criatura. Claro que nesta hora do filme eu estava às lágrimas...

Só sei que Aslan, Jesus no nosso mundo é o Deus de todo amor e bondade que busca e espera a criatura amada até o último sopro de liberdade. Quando terminei o filme além da emoção, havia gratidão e esperança em meu coração. Eu só conseguia agradecer ao Senhor. Agradecer por Ele ter tomado a decisão de me dar vestes reais de filha de Deus tirando de mim capas e peles e máscaras que em deformavam a identidade. Agradecer a Ele por esta mesma obra em tantos que eu conheço, mantendo a esperança firme de que muitos outros descobrirão ainda o coração de Menino e Menina que há neles, nascidos para o Amor e a comunhão com Aslan que em nosso mundo é Pai, é Jesus, é o Espírito Santo. 

Feliz e Santo Carnaval! E lutemos sempre, lutemos muito como o filme sugere na pessoa de Edmond que se mostra como ícone e corajoso discípulo de Aslan. Não meçamos esforços para viver coerentemente mesmo sendo profundamente incoerentes e tortos, e não deixemos de evangelizar abertamente - sem sermos chatos - pois o Reino de Deus está no meio de nós! É possível 'entrar em Nárnia' e conhecer concretamente, vivencialmente o amor e a pessoa de Jesus Cristo. A maioria das pessoas espera somente um convite, um gesto desinteressando de serviço, de amizade, de perdão, de firmeza de postura quando necessário, um sorriso iluminador de esperança, uma oferta de oração, um desconcertante gesto de humildade e paciência, para saberem que passageiras são as tantas nuvens densas que nos cercam e que definitiva e eterna é a presença do Senhor, 'o Sol nascente que nos veio visitar lá do alto como luz resplandecente a iluminar a quantos jazem entre as trevas e na sombra da morte estão sentados e no caminho da paz guiar nossos passos'. Aslan não lutou por eles no filme, mas estava com eles todo o tempo e os levou à vitória do amor e da liberdade contra todo o Mal que os queria destruir, tudo isso movido pelo seu Amor. 'Pelo amor do coração do nosso Deus' como dizem as Escrituras e nos ensina a vida e a fé da Igreja que canta este refrão diariamente em toda a face da terra: 'Pelo amor do coração do nosso Deus'. Somente este amor é capaz de nos salvar e nos dar as vestes brancas em lugar de escamas e de nos devolver o coração de criança. 

Shalom!