domingo, 21 de fevereiro de 2010

Uma Semana

Há exatamente uma semana aconteceu o acidente e nesta hora eu estava chegando do hospital, ainda completamente assustada. Acho que o susto ainda continua só que aos poucos vai se assentando. Resolvi dar notícias genéricas no blog porque tenho recebido muitos emails extremamente carinhosos, recheados de amor e de oração, de apoio irrestrito e de amizade sincera que não tenho dado conta de responder por conta das circunstâncias, mas o farei aos poucos, um a um, prometo, e por isso resolvi usar este espaço público virtual para contar como as coisas estão. Antes porém, quero agradecer a cada pessoa que me escreveu um email ou deixou uma post no blog. A presença de vocês comigo não é menos presente porque virtual, pois há que se lembrar que antes de se tornar corriqueiro o contato virtual entre as pessoas, já existia a experiência espiritual da comunhão dos santos, verdade maravilhosa da nossa fé católica, que nos põe juntos e unidos no Amor partilhado em Jesus Cristo Nosso Senhor. Como eu tenho me sentido amada e protegida por tantas pessoas! E esse amor gratuito vem de Deus mesmo... Que seja Ele a abençoar em dobro a cada um. Bendita comunhão dos santos alimentada pelo satélite e pela tecnologia!
Esta semana foi bastante cansativa e rica na inculturação árabe, pois temos experimentado a solidariedade e a presença na hora da dor, segundo a cultura árabe, pelo menos a árabe cristã. Tivemos visita todas as tardes e todas as noites dessa semana! E as pessoas trazem não somente a bênção e a alegria por estarmos vivos, mesmo pesarosos com a morte do rapaz, mas também bolo, docinhos, suco, presentinhos e até uma doação financeira recebemos como Comunidade, para as nossas despesas extras. E muitos telefonemas, muitos! A pobrezinha da Viviane que é muito conhecida na vila por causa do seu trabalho e presença no asilo, é o primeiro foco de todas as visitas e está bem...bem cansada. Esta é uma das razões também de meu tempo estar ainda mais escasso para escrever, pois todos também querem me ver. As pessoas querem saber como aconteceu o acidente e sempre dou um jeito de desenhar para esclarecer.
Ontem houve a missa de sétimo dia mas eu e Viviane ficamos em casa. Todos foram e os ânimos estavam tranquilos, mesmo a troca de olhares ser perceptível. Amanhã, domingo, Viviane irá à missa com os demais na paróquia mas eu descerei com Lorena para Haifa para participar da Eucaristia, pois é necessário respeitar a dor da família e dar um tempo, para eles e para mim. Porque me expor a uma situação de tensão e sofrimento desnecessária? Deixa para semana que vem pois o tempo funciona como bálsamo e permite que o amor de Deus aja nos corações consolando e fortalecendo.
O processo ainda está em aberto e após o testemunho dos 5 outros passageiros da van, soubemos que haveria um outro testemunho de alguém que teria visto o acidente. Só então saberei se terei que novamente depor na Polícia. Já conversei e desenhei o acidente para o representante da seguradora e eles vão cobrir a perda total do carro e todas as despesas no hospital. Ele me contou que o pai do rapaz falecido destruiu a moto do filho quando ele começou a correr demais, mas ele comprou outra...
Na linha da Logoterapia de Vicktor Frankl a gente aprende que diante de fatos irreversíveis só cabe dizer e me perguntar, na área da liberdade que me resta e que está presente em mim para além das emoções, o posso fazer agora? E se esta liberdade tem a presença de Deus a pergunta passa a ter um vocativo: o que posso fazer agora, Senhor? Por que escolheste a mim para sofrer e passar por esta situação? Penso que esta começou a ser a minha pergunta, carregada de expectativa e de confiança... Eu haverei de entender. Desde já sei que a intercessão pela salvação do Edmond será uma constante até o dia que nos encontrarmos face a face e tudo ficar perfeitamente esclarecido entre nós.
Ontem também creio ter tido um insight interessante após a comunhão pois tivemos a alegria de uma missa celebrada em Português pelo Pe.Albert, húngaro, meu aluno de inglês. Que mistura de línguas, faça-me o favor! O insight foi o seguinte: que este acidente, mesmo trágico, não representou uma quebra na grande obra de amor de Deus em minha vida neste tempo de missão, como se Ele tivesse se distraído, e o sofrimento então nos atingisse. Não. Há um continuum, há uma sabedoria, há uma perfeitíssima vontade... há que se esperar para ver, há que se querer ver. O cálice pode ser outro, mas é o mesmo Senhor que me serviu na Nigéria com tantas alegrias e surpresas, que me serve hoje. Já consigo perceber que o que vivi na Nigéria de compaixão pela dor alheia que estava fora, se expandiu e tomou um espaço também interior. Mas não dá para explicar muito. É como falar sobre a beleza. Ou a gente conhece ou desconhece.
Não é fácil estar longe, não ter outras pessoas para abraçar do nosso jeito, não ter a sensação de refúgio e proteção que se tem na terra, na cultura, na língua, no jeito de viver e de sofrer que se tem em tudo aquilo que se reconhece como casa. É uma faceta de exílio que faz parte da missão e que fica mais gritante por causa das circunstâncias. Mas existe a graça abundante e presente do Espírito Santo que também impressiona, pois não nos tem faltado a alegria fraterna, o carinho e a coragem, a paz, o shalom mesmo nos corações, mesmo que estejamos fisicamente meio quebrados.
Ontem me deram um ansiolitico para eu dormir melhor, e eu dormi mais de 8 horas seguidas, graças a Deus, e também um remédio para abaixar a pressão que desde o acidente está bem alta. Não vou dizer quanto para não preocupar, mas já estou medicada. Hoje dei um grito de liberdade e consegui ir de carona com meu amigo Simon, voluntário húngaro que veio com o padre, até o Muhraka e passar quase duas horas andando, andando, andando por umas trilhas por trás do mosteiro. O dia ensolarado com cor e temperatura de primavera em pleno inverno, deixou o passeio entre flores, árvores frondosas e tons de verde a perder de vista nas dobras da estrada de terra, muito especial. Cruzei com algumas vacas pachorrentas que pastavam com jeito satisfeito, espalhadas nos grandes espaços abertos, e também com algumas famílias árabes, drusas e alguns jovens judeus que abrigados nas sombras das árvores faziam churrasco e curtiam o fim de semana que para nós é domingo e para eles é shabat. Mas nem humanos nem bovinos perturbaram em nada o meu contato com a natureza, com a beleza e a necessidade que eu estava de andar e sentir-me livre, e mesmo em espaço aberto, protegida.
Na sexta-feira dia 12 eu tinha me comprometido com o Senhor a não fazer planos nesta Quaresma e por isso sei muito bem, que é Ele quem dispóe em Seu amor estas experiências de quaresma. Que meus dedos toquem a ressurreição.
Mais uma vez obrigada pelas orações e comunhão de amor.
Ele está no meio de nós! Shalom!

2 comentários:

Anônimo disse...

Estamos unidas em oração.
Shalom!!
Raiane

Anônimo disse...

Querida Elena,
Contei para a Guida o acontecido. Ela ficou muito abalada, e está rezando unida aos demais.
Realmente o Senhor quer mergulhar com você no profundo do seu ser e te mostrar amada, querida, unica para Ele.
Espero que estes escritos sejam guardados como boneca de um livro escrito pela e autora Elena A. Sala, pois minha sensação ao ler
o blog era como se fosse um capitulo de livro que estou lendo aos poucos. O Senhor fez, está fazendo e fará maravilhas nesse seu deserto.
Unidas Nele, sempre trazendo você em nossos corações.
Zeze e Guida