sábado, 5 de março de 2011

Pele de Dragão Coração de Menino

Com quase três meses de atraso consegui ver o terceiro filme das Crônicas de Nárnia, 'A Viagem do Peregrino da Alvorada'. Pena que não foi no cinema como assisti os dois primeiros filmes, mas na telinha do meu laptop em sessão privada debaixo do cobertor uns dias atrás. Em duas etapas porque é raro ter duas horas inteiras livres para 'ir ao cinema', mas só posso dizer que gostei demais: produção, atores - como a Lucy cresceu! - roteiro, fotografia. O mais tocante, porém, é o texto de C.S.Lewis nas falas e presença de Aslan, o grande Leão de Nárnia. Quem aprendeu a se encantar com contos de fada, jamais perde este gosto.
Da trilogia apresentada até agora talvez este seja o mais abertamente cristão de todos pois Aslan, ao se despedir de Lucy e Edmond, diz que aquela era a última visita deles à Nárnia e que a partir de então eles teriam que encontra-lo com outro nome no mundo para onde voltavam. E a gente sabe que Nome é este mesmo sem ter ido à Nárnia...

Neste filme Aslan fala pouco, aparece pouco, só em momentos decisivos, mas sua discreção também me pareceu importante. Vou comentar o que mais me tocou a sensibilidade e que me fez pensar. A primeira situação é quando ele interfere na grande crise de identidade revestida de inveja que a Lucy passa, ao se comparar com a prima Suzana. Aslan interfere porque a ama e a leva a pensar e novamente a optar pela verdade que liberta. Aslan devolve-lhe a liberdade de querer ser somente ela mesma com toda a beleza que isso implica. Beleza e responsabilidade pois, lembrando as leituras do filósofo Romano Guardini que tanto me marcaram a visão de mundo e da vida, eu sou o primeiro presente dado a mim mesma, dado por Deus que me criou. Eu preciso me receber do jeito que sou das mas de Deus Pai!

Mais que a vida genérica Deus cria a mim, pessoa, e me dá a mim como dom precioso do seu amor criador de Pai! Este é um grande e libertador aprendizado: receber-se como dom! Daí não precisar invejar mas gastar energia e tempo buscando ser e receber-se e reconhecer-se como obra de Suas mãos! Esta situação do filme é belíssima e é uma lição tão bem aprendida pela Lucy que ela a ensina para a menininha a quem protege e para quem é heroína. Mas acho que Lucy também falou para muitos espectadores e fãns. 

O próximo comentário vai para a figura especial, chatíssima e desconcertante do Eustáquio. Ele é a representação do que há de insuportável em cada um mesmo sendo um menino, um simples menino... A metamorfose pela qual ele vai passando no decorrer da história me fez pensar na própria caminhada de amizade com Jesus. Tantas vezes temos tantas resistências e achamos os que já caminham a mais tempo uns lunáticos, exagerados, alienados, etc, etc. Entramos no barco como Eustáquio, murmurando, meio a revelia, por acaso, e às vezes temos a impressão depois da primeira fase de festa, quando o 'retiro e a música terminam' e nos resta viver somente, que em vez de melhorar estamos é piorando. O monstro que há no Eustáquio vem para fora e parece não ter mais jeito de consertar. Também conosco é assim: enquanto não fazemos a experiência de tocar a própria miséria, fraqueza e pecado, impotência, carência, a dor, a dor pelos paradoxos da vida, não encontramos a salvação. 

Importante nesta fase do filme a presença do Ratinho que não desiste de ser amigo de Eustáquio e que o ajuda a descobrir o próprio coração, o coração humano, de gente, de menino, capaz de ser bom, de se arrepender, de mudar. Deus sempre providencia 'Ratinhos' - amigos e irmãos, Seus instrumentos - para nos ajudarem a fazer esta descoberta depois que eles mesmos fizeram. E assim a Caridade de Cristo (de Aslan!) vai sendo experimentada, tocada, bebida, vai sanando as dores e a solidão.  Não é fácil a gente se deixar tocar nas sombras e nas durezas do próprio coração. Creio que seja a fase em que a gente faz muito, trabalha muito, ensina muito, produz outro tanto com eficácia e sucesso - não foi assim com Eustáquio prestando o grande serviço de puxar o navio em pleno nevoeiro para o seu destino? - mas isso não basta. Continuamos com a pele de dragão. Não basta fazer, tem que ser. E no campo do ser, do arrancar a capa de dragão, as defesas do dragão, a violência do dragão, enfim, a inadequação de parecer ser aquilo que não se é, para ser aquilo que se é verdadeiramente que Aslan precisa interferir. É a hora do encontro dos dois corações. O coração humano com o Coração Humano e Santo, três vezes Santo de Jesus.

Neste filme mais uma vez, vimos a bela cena deste encontro entre Eustáquio e Aslan, como no primeiro filme entre Edmond e Aslan. E ouvimos o grito do Criador salvando a criatura amada e devolvendo-a a si mesma como uma nova criação. E não é exatamente esta realidade espiritual absoluta capaz de nos revolucionar completamente chamada sacramento do batismo que recebemos um dia? E não é o aprendizado de se viver graça a graça o batismo a experiência de santificação, transfiguração, salvação, união de amor? Aslan apresenta o verdadeiro Eustáquio ao Eustáquio e o devolde à família, aos amigos como nova criatura. Claro que nesta hora do filme eu estava às lágrimas...

Só sei que Aslan, Jesus no nosso mundo é o Deus de todo amor e bondade que busca e espera a criatura amada até o último sopro de liberdade. Quando terminei o filme além da emoção, havia gratidão e esperança em meu coração. Eu só conseguia agradecer ao Senhor. Agradecer por Ele ter tomado a decisão de me dar vestes reais de filha de Deus tirando de mim capas e peles e máscaras que em deformavam a identidade. Agradecer a Ele por esta mesma obra em tantos que eu conheço, mantendo a esperança firme de que muitos outros descobrirão ainda o coração de Menino e Menina que há neles, nascidos para o Amor e a comunhão com Aslan que em nosso mundo é Pai, é Jesus, é o Espírito Santo. 

Feliz e Santo Carnaval! E lutemos sempre, lutemos muito como o filme sugere na pessoa de Edmond que se mostra como ícone e corajoso discípulo de Aslan. Não meçamos esforços para viver coerentemente mesmo sendo profundamente incoerentes e tortos, e não deixemos de evangelizar abertamente - sem sermos chatos - pois o Reino de Deus está no meio de nós! É possível 'entrar em Nárnia' e conhecer concretamente, vivencialmente o amor e a pessoa de Jesus Cristo. A maioria das pessoas espera somente um convite, um gesto desinteressando de serviço, de amizade, de perdão, de firmeza de postura quando necessário, um sorriso iluminador de esperança, uma oferta de oração, um desconcertante gesto de humildade e paciência, para saberem que passageiras são as tantas nuvens densas que nos cercam e que definitiva e eterna é a presença do Senhor, 'o Sol nascente que nos veio visitar lá do alto como luz resplandecente a iluminar a quantos jazem entre as trevas e na sombra da morte estão sentados e no caminho da paz guiar nossos passos'. Aslan não lutou por eles no filme, mas estava com eles todo o tempo e os levou à vitória do amor e da liberdade contra todo o Mal que os queria destruir, tudo isso movido pelo seu Amor. 'Pelo amor do coração do nosso Deus' como dizem as Escrituras e nos ensina a vida e a fé da Igreja que canta este refrão diariamente em toda a face da terra: 'Pelo amor do coração do nosso Deus'. Somente este amor é capaz de nos salvar e nos dar as vestes brancas em lugar de escamas e de nos devolver o coração de criança. 

Shalom!


2 comentários:

Anônimo disse...

Querida Elena

Cada vez que visito seu blog fico edificada com suas partilhas.O comentário de Nárnia 3 foi excelente.Acredito que só se possa comentar de forma tão detalhada daquilo que se esta vivo dentro do coração,daquilo que se vive diariamente.Assim é o seu coração: belo!
Abraços
Valéria-ba

Anônimo disse...

Querida Ena,
preciso ver urgente esse filme, além de ler as crônicas todas. Já contei que consegui o livro com todas elas e dei no Natal pra minha neta? Por uma incrível coincidência, falei com ela agora mesmo e fiquei sabendo que só começou a ler, mas ainda não acabou. Estou rezando pra que ela goste porque sua cabecinha está cheia de tolices... Deus te abençoe, Elena!
Berê