Aprendi, não sei quando, que o nome bom dado a Jesus como pastor de suas ovelhas em João 9, também significa belo, ligando o termo à linguagem mais mística e afetiva, daquele que é o mais belo dos filhos dos homens, o Filho de Deus, aquele que nosso coração ama e em quem encontramos a paz.
Como as leituras bíblicas das celebrações eucarísticas no rito melquita não correspondem às mesmas leituras do rito latino, lemos João 5, a cura do aleijado na beira da piscina de Betesda e não o texto do Bom Pastor. Fiquei muito comovida com a homilia ouvida e partilho-a, mesclando com aquilo que eu mesma refleti em meu coração.
Já tive oportunidade de ver ao vivo e a cores as ruínas muito bem preservadas desta piscina e dos cinco pórticos. O cinco representa o Pentateuco, a antiga aliança, não capaz de trazer a verdadeira salvação à humanidade que esperava imóvel, como aquele homem, que alguém viesse a seu encontro. E este alguém veio: Jesus Cristo! E Ele seguramente é melhor, muito melhor que um anjo da parte de Deus. Ele é a perfeição do amor, o Amor concretizado!
O homem estava doente havia 38 anos e se sabe, que 40 é um número perfeito, simbólico, que representa inteireza. Faltavam somente dois anos, ou dois aspectos, refletia conosco o Abuna Samir, para que a salvação e a cura chegassem àquele homem. Faltava a lei do amor revelada por Jesus. Amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo. Só que na nova aliança o modelo e a referência do que seja amor é outro: é amar com o amor de Jesus, com a qualidade de amor de Jesus, a extensão do amor de Jesus, a liberdade e a ternura, a coragem do amor de Jesus. É este amor que estamos sempre buscando e é este amor que somos chamados a refletir e ensinar às pessoas, nas palavras e pelo exemplo.
É intrigante o fato de Jesus fazer perguntas tão óbvias. O que mais um aleijado que esperava cura há 38 anos poderia querer? Só que entendi que da mesma maneira o Senhor me perguntava o que eu queria porque muitas vezes os meus pedidos expressos nas palavras não correspondem à verdadeira disposição do coração. Pedir a cura e a mudança de vida sob qualquer ponto de vista implica em muito trabalho, em mudanças de paradigmas, para usar uma expressão mais recorrente e moderna. A gente diz que quer mudar, mas não quer não... está acostumado com as paralisias e se adaptou à mediocridade.
Aquele homem doente com certeza já tinha um ritmo de vida, um jeito adaptado de conviver com o seu sofrimento, conhecia quem o carregava, quem o alimentava, com sua vida miserável... isso sem contar a maneira como se via, se enxergava e percebia a vida internamente, a maneira como se relacionava com as pessoas, estranhas e da família, com a comunidade e os companheiros que esmolavam com ele...
Quem trabalha com 'pequeninos de Jesus', ou os irmãos de rua, sabe como é duro para eles aceitar e se adaptar à uma vida nova... às vezes estão tão acostumados a viver na rua que é dificílimo sair dela mesmo quando uma oportunidade lhes é oferecida. Mas o texto do evangelho no conta que, de repente Jesus se apresenta a este homem e lhe pergunta o que ele quer. E aí é lindo pois ele responde que está disposto a mudar, a ser curado e a caminhar com as próprias pernas. Ele quer uma vida nova e está disposto a assumir todo o risco implicado em ser livre e a liberdade implicava em mudar ritmos, perspectivas, readquirir autonomia e independência, responsabilidades...
Creio que seja por isso que o evangelista repete três vezes que o Senhor o mandara levantar-se e carregar seu leito. Assim como o Joaquim do livro 'Joaquim e sua padiola' da Maria Emmir, que fala do aleijado carregado pelos amigos e descido pelo telhado para ser perdoado e curado por Jesus de suas paralisias físicas, emocionais e espirituais, também este do evangelho de João pode novamente viver como pessoa livre e independente. Livre para amar a Deus e aos irmãos, livre para viver a nova aliança. Tendo diante dos olhos, porém, o leito onde esteve deitado e imobilizado durante tantos, tantos anos. Ao olha-lo ele pode dia a dia, desafio a desafio, fazer a opção de para lá não voltar pelo simples fato de que de lá foi tirado por puro amor, amor do coração do mais Belo de todos os Homens, de Jesus, o Bem Pastor, que não somente o curou mas o acompanha e o ensina a viver.
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