sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Algumas mudanças, uma tragédia

Com o tempo - dia 23 completo 6 meses de missão - vou tomando cada vez mais consciência de uma realidade que estando na América Latina, me passava totalmente despercebida: os cristãos da Terra Santa sofrem e necessitam de todo apoio que o mundo ocidental possa oferecer! Seguramente por influência do contato diário com a realidade, com os dados aos quais tenho acesso pelo trabalho com o bispo, entendo como nunca antes, que não podemos nos esquecer dos cristãos-católicos que são da terra, os árabes-palestinos cristãos! Eles moram tanto em Israel, e representam somente 2% da população, aproximadamente 150 mil pessoas, ou se tornaram refugiados nos territórios palestinos, conhecidos como Faixa de Gaza e Cisjordânia, aquelas terríveis áreas de conflito que frequentemente vemos nos noticiários.

Na minha ignorância, que acho que se assemelha à ignorância da maioria da população que se informa via televisão, agregada a uma ou outra leitura ou comentário, eu nunca pensava na Terra Santa como um lugar onde os cristãos habitavam. Terra Santa era um lugar de ruínas e de lugares santos, protegidos e resguardados por centenas de franciscanos, como uma grande vitrine geográfica-histórico-arqueológica dos episódios bíblicos, encravada no Estado de Israel. Este era um país corajosamente construído pelos e para os judeus, espalhados pelos cinco continentes após a diáspora que, merecidamente, haviam voltado para cá depois do holocausto da II Guerra Mundial. Terra Santa era mais ou menos isso. Um lugar que a gente sonha a vida inteira em conhecer e visitar como peregrino. Mais ou menos como uma Meca do Cristianismo...primeiro Roma, depois a Terra Santa, mas não necessariamente nesta ordem.

Só que a realidade de missionária me ensina e me faz acordar para o fato de que havia judeus e palestinos habitantes na terra - a Palestina - antes da criação de Israel! É tão óbvio! E mais: por causa da mídia que apresenta notícias incompletas - me falta agora um termo melhor - eu tinha a tendência é colocar na mesma categoria todos os árabes, como se fossem farinha do mesmo saco. Os árabes-muçulmanos espalhados pelos 20 países árabes que compõem o Oriente Médio, e que são muitas vezes loucos, perigosos, radicais, extremistas, irracionais e devem ser temidos, tipo os que vemos no Irã atualmente, não a mesma categoria dos árabes-palestinos, muçulmanos e cristãos, que por séculos conviveram, brigaram, sofreram, rezaram com os vizinhos judeus que habitavam na Terra Santa!

Com a criação do Estado de Israel esta convivência tomou um outro perfil bastante complexo. Uma sucessão de atitudes injustas e extremistas que geraram mais atitudes extremistas, e assim a bola de neve só tem aumentado. Está mais para rolo compressor do que para bola de neve. Só sei, vejo e testemunho que na atualidade - e isso significa especificamente nos últimos 60 anos - são os cristãos aqueles que mais sofrem as retaliações dos dois lados, seja de judeus, seja de árabes-muçulmanos. Para ilustrar conto dois episódios. Na vila de Mughar há cinco anos atrás, um jovem muçulmano-druzo espalhou na internet uma série de fotos pornográficas de uma jovem muçulmana, dizendo que tinha sido trabalho um jovem cristão, o que gerou uma grande revolta entre os muçulmanos adultos da vila. Resultado: uma semana de ataques violentos e destruição de casas de cristãos e quase a blasfêmia e destruição dos espaços sagrados da igreja local, gerando o êxodo de 40 famílias não sei pra onde... Depois o jovem muçulmano confessou que tinha sido ele mesmo a montar as fotos mas o estrago já estava feito e as famílias não voltaram mais por medo e a comunidade cristã foi reduzida.

O segundo caso aconteceu domingo passado, Domingo da Alegria, Gaudete, na vila de Ikrit, localizada no extremo norte da Galiléia. Esta vila de maioria cristã melquita, foi totalmente destruída entre 1948 e 1951, com outras 460 vilas, quando o exército israelense sionista estava tomando posse da terra e fazendo Israel surgir à força. A cada ano, desde então, a população de Ikrit que passara a viver na circunvizinhança, e seus descendentes, nas grandes festas religiosas, se reune ao redor das ruínas do que sobrou da igreja e lá celebra. Há também quem se case em Ikrit, e os idosos, invariavelmente, pedem para ser enterrados no solo onde nasceram. Na época do Advento, a cada ano, costumam ajeitar a estrada que dá acesso à vila para o Natal. Este ano, assim que as obras começaram, a população recebeu ameaças dos moradores do kibbutz vizinho, que era para interromperem a obra senão eles destruiriam tudo. Os responsáveis pela obra de restauração da estrada e o comitê da 'festa de Natal' de Ikrit foram à Corte de Israel e conseguiram uma permissão oficial para terminarem as obras. Mas em vão: na madrugada de domingo para segunda-feira, 14 para 15 de dezembro, a estrada foi totalmente destruída por máquinas e tratores trazidos do kibbutz.

O bispo (Abuna) Elias Chacour foi imediatamente acionado e consternado foi ver a situação in loco. Lá chegando encontrou a população aos prantos, na beira da estrada, como em vigília, sem saber o que fazer, além de rezar e pedir a Deus a graça do perdão e da sabedoria da ação. Felizmente como o Abuna é muito respeitado e conhecido, recebeu telefonemas de solidariedade e apoio de várias autoridades judias, de ministros e do prefeito de Haifa, só para citar alguns, que vieram pessoalmente à Cúria conversar com ele para juntos tomarem alguma decisão legal e justa. É óbvio que existem pessoas de bem e justas, que querem promover a paz e que são judias. Hoje haverá uma manifestação pública, tipo passeata nos arredores de Ikrit contra o abuso de poder do Kibbutz, exigindo que a estrada seja reconstruída até o Natal (é coisa curta de 1,5km). Vamos ver no que vai dar.

Meu ponto aqui porém, é fazer chegar aos ouvidos e aos corações de mais pessoas, como vivem os cristãos na Terra Santa, e como é nosso dever fraterno como Corpo de Cristo interceder por eles. Estes dois casos ilustram como os cristãos, minoria pacífica, reconhecidos como povo reconciliador pelas próprias autoridades de Israel e pelos muçulmanos comuns, é tratada tanto por judeus extremistas quanto por muçulmanos extremistas. Só que estes cristãos são árabes-palestinos também e não tem nada a ver com os árabes-palestinos de grupos radicais insandecidos extremistas muçulmanos capazes de se fazerem homens e mulheres-bomba matando indiscrimidamente cidadãos inocentes. Estes são terroristas, e tão terroristas quanto os sionistas.
Os árabes-palestinos-cristãos-católicos estão fora dessa categoria. Eles continuam preparando com a vida a Volta do Senhor e O adorando na manjedoura, como o Menino Jesus, o Filho do Deus Altíssimo.

Quem está do outro lado do mundo e que também conhece Jesus, celebra o Natal e quer que a Terra Santa permaneça existindo, lembre-se ao menos de rezar e interceder pelos cristãos que vivem aqui. Também eles precisam do amor e da intercessão, do apoio e de uma grande renovação espiritual pela vinda do Espírito Santo que faz novas todas as coisas. Também eles precisam ser lembrados porque como diz o Abuna: os cristãos são as Pedras Vivas da Terra Santa!

Até agora falei da tragédia. As mudanças a que o título se refere dizem respeito à chegada da Cristina, nova missionária consagrada na Comunidade de Aliança como eu, enfermeira, que veio se juntar ao grupo de irmãos da missão de Isifya cujo apostolado se dá no asilo. Cristina é do Amapá mas já era missionária em Propriá, minha querida Prorpiá, em Sergipe, e de lá resolveu ofertar mais dois anos de sua vida a Jesus e à Igreja, de maneira total. Ela chegou e a Andréia foi viver seu segundo ano de oferta como missionária em Nazaré. Andréia é aquela negra alta, bonitona de Salvador, de quem já falei e a quem vim substituir na Cúria. Por fim, partiu o Tales de volta para o Brasil, depois de muitas lutas, um sincero trabalho de evangelização entre os jovens de Haifa e muito desejo de acertar. Levou alguns sofrimentos interiores e deixou outros... mas assim é a vida.

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