Tudo o que o Papa Bento XVI diz é rico, sábio, profundo, baseado nas Escrituras e nos Padres da Igreja e mesmo com toda essa 'profundidade', suas homilias e palavras são simples e claras e até quem não tem boa-vontade, entende. Na quaresma de 2008 ele nos falou especialmente sobre a esmola e este ano acentuou a dimensão do jejum. Bem didático como ele parece ser, vide as Encíclicas sobre o Amor, depois sobre a Esperança, sabemos que em breve teremos suas palavras sobre a Fé e sobre a oração.
A Páscoa se aproxima. Vivemos um tempo ainda mais favorável do que o de sempre para sermos encontrados pelo Amor do Pai que continua esperando seus filhos e filhas na beira da estrada, roendo as unhas de seu coração, querendo abraçar, beijar, curar, dar sentido à vida e responder às perguntas tão difíceis da existência, as perguntas de seus filhos... Ah! como eu sofro quando penso na dureza do meu coração... como eu sofro quando penso que minha vida, palavras e ações tantas vezes não fizeram as pessoas que me cercam se sentirem amadas pelo meu testemunho e sedentas de conhecer o Senhor, este Deus misteriosamente perfeito em Amor que sempre me buscou, que sabe ser escandoloso em sinais de ternura, mas também escondido e silencioso...
De maneira simplérrima o sacerdote hoje ao nos impor na cabeça as cinzas, nos lembrou as dimensões destas três 'atividades' para as quais somos chamados a dar mais atenção na quaresma: o jejum, a oração e a esmola. Juntando o que ele disse com o que se passa pela minha cabeça por conta das últimas leituras que tenho feito, gostaria de tecer alguns comentários. O jejum diz respeito a nós mesmos, para exercitarmos o auto-domínio. Dominando o que ingerimos dominamos os demais sentidos, nos lembrou o Santo Padre citando os Padres da Igreja. Dessa maneira, privar-se de algumas guloseimas ou bebidas, sobremesas, carne, ou diminuir a quantidade ingerida, além de nos fazer próximos de milhões de pessoas que se privam involuntariamente de uma alimentaçõ adequada por causa da injustiça no mundo, também nos ajuda a sermos mais donos de nós mesmos, sem vivermos às custas dos impulsos. Quem jejua é mais dono de si para ser mais de Deus e mais dos outros.
Para sermos mais de Deus, é preciso estar com Ele, gastar tempo, perder tempo, priorizar a oração. Cada um sabe como e cada um conhece bem os próprios desafios. Pode ser dormir menos, desligar a televisão, ficar menos tempo na internet, estar atento onde o tempo é desperdiçado em distrações e desculpas esfarrapadas para não se estar com o Senhor. Estar com Ele é dificílimo quando vivemos num tempo onde impera o barulho, o som, a imagem, o excesso de atividades e apelos e não mil estímulos, mas dez mil. E estes são só os externos, sem contar a barulhada do nosso coração! Mas não importa. Importa ir. Importa estar. Importa vencer-se para orar e estar com o Senhor. Se for numa capela melhor ainda por causa do ambiente, dos ícones, do silêncio, se houver possibilidade de ser diante do Santíssimo Sacramento, aí é o Céu, mesmo que povoado das nossas inquietações. Não importa, repito. Esta tem sido também a minha experiência, a minha batalha cotidiana, mesmo vivendo na Terra Santa tendo as montanhas da Galiléia, lindíssimas no quintal de casa. É um exercício da disciplina e da vontade, a vontade de amar e de conhecer Jesus.
Muitas e muitas vezes eu penso na zoada que não deviam ser as multidões seguindo Jesus... Realmente os apóstolos devem ter tido uma trabalheira imensa para colocar as pessoas sentadas, caladas para ouvir Jesus. A unção do Espírito Santo total sobre Ele lhe dava completa autoridade espiritual, seguramente, mas a humanidade dos homens, mulheres, crianças, jovens, doentes não pode ser negada. As multidões que seguiam Jesus estavam mais para bloco de rua e porque não dizer, bloco de carnaval e passeata do que para procissão silenciosa e cortejo fúnebre. Daí que ficarmos com Jesus e nos sentirmos com uma multidão dentro de nós fazendo baulho e nos distraindo também faz parte do processo de aprender a rezar, a silenciar, a amar, a saborear a Palavra... A oração é graça, é dom, mas só se recebe rezando. Daí insistir, querer e não se deixar enganar que é um dom só para alguns. Se rezar é estar com o Senhor e conversar com Ele e se todos somos seus filhos com quem Ele quer se relacionar paternalmente, esta se torna a inferência mais fácil de se fazer: a oração é um dom para todos, ao alcande de todos, uma necessidade essencial.
Por fim a esmola. Esta diz respeito aos outros, às pessoas ao nosso redor. Se estamos mais com o Senhor e ficamos desejosos de mais auto-controle necessariamente vamos abrir nossas gavetas e armários, depósitos e coleções de tranqueiras guardadas que-um-dia-podem-ter-valia-e-serem usadas, e darmos um fim a elas. O fim pode ser o lixo, pode ser doar, pode ser até vender. Mas esmola não é dar um dólar, um shekel, um euro, um real... Esmola é dar, é abrir-se. Esmola não é resto. A esmola diz respeito ao outro, ao que está perto e ao que está longe esperando um email, uma palavra amiga. Não estou dando recado pois, graças a Deus, há muitas pessoas que me escrevem, mas confesso uma realidade: quando se é missionário a gente se sente por demais esquecido e às vezes um beijo virtual, um I love you my sister, Shalom pra você! vale demais!
Esmola é dar e quebrar paradigmas de egoismos e medos. Soltar-se das coisas velhas para poder ser mais livre! Não porque as coisas em si são negativas e trazem forças negativas como apregoa o modismo do feng-shui, mas porque nós fomos criados para fazer Comunhão, para sermos irmãos e nos preocuparmos e nos ocuparmos uns com os outros.
Quando partilhamos não é uma luz azul que passa a trazer bons fluidos para a nossa casa, é a luz que vem do cumprimento da Palavra de Deus é que toma seu lugar e, iluminando o coração, ilumina o lugar que vivemos e trabalhamos. Pois o Senhor nos diz: 'brilhe vossa luz diante dos homens para que vendo vossas boas obras glorifiquem vosso Pai que está nos Céus'. Dar esmolas, dar e dar-se são as boas obras que trazem a luz verdadeira para os ambientes onde estamos e não o sofá no ângulo esquerdo ou o espelho no hall de entrada do elevador para espantar as negatividades... Crer nestas coisas é de uma primitividade assustadora... mesmo que ninguém o faça por mal, porque acreditar mais nestes modismos do que no que o Senhor diz em sua Palavra e a Igreja ensina? Jejum, esmola e oração não é assunto do Fantástico, do BBB...
Este é novamente um tempo favorável! É doloroso saber e ver o mundo de cabeça para baixo com tantos problemas de permissividade - que tristeza ver o Presidente Lula distribuindo camisinhas no Sambódromo e promovendo o sexo livre, como se atividade sexual fosse algo a ser liberado como merenda escolar - problema de drogas assolando cada vez mais famílias, problemas ecológicos e econômicos de toda ordem... e, neste contexto, me parece que a maior tentação é olhar mais para os problemas do que para o Senhor que é todo misericórdia e compaixão e, mais uma vez, dá à humanidade um tempo favorável, um tempo de graça, um tempo de cura e de paz, um tempo onde podemos fazer nossas pequenas ofertas e trabalhos para melhorar o mundo. Este tempo favorável é ocasião de voltar para casa, filhos e filhas de Deus, e de se reapaixonar por Deus e reexperimentar a consolação da fé! É tempo de largar o peso insuportável de querer salvar o mundo e de querer salvar a si mesmo!
Que bom entender um pouquinho mais o que seja o jejum, a oração e a esmola para melhor deixar o Espírito fazer passagem e Páscoa em meu interior. Que rezemos e nos sustentemos mutuamente neste tempo de Quaresma, tempo de misericórida, gratidão e amor, muito mais do que de sacrifício.
Shalom! Salaam!
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