sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Em Belo Horizonte

Estas semanas de Advento preparando o Natal me trouxeram à memória várias fortes lembranças que me encheram o coração de muita felicidade e uma certa nostalgia da infância passada com a família da mamãe, em Belo Horizonte.
Nós éramos os primos que moravam no Rio de Janeiro e nossas férias de julho e de fim de ano, indefectivelmente, eram passadas na casa da vovó Glorinha nas Minas Gerais. Lá encontrávamos os nossos ídolos, os primos mais velhos, a grande família, todas as tias e tios, e como a família é numerosa qualquer reunião parecia festa, ou 'esticada' no jargão familiar. E haja cuzcuz e garrafas e mais garrafas de café, já doce e bem fraquinho... A gente entrava na sala e tomava a bênção de cada um e beijava a mão, já pensou? Coisa mais linda!
Lembro-me de como o amor e amizade que o vovô e a vovó tinham entre si me marcou a percepção do que era um casamento sólido. Sólido, não rígido. Eu sempre tive a impressão de que eles eram amigos e nos meus anos de busca do meu estado de vida e nos relacionamentos afetivos que tive, sempre quis de alguma maneira ser primeiramente amiga antes de vir a ser amante, como eles. Vovô João e vovó Glorinha, mesmo de tão longe e sem convivência, me fizeram crer que um casal pode se amar até o fim tendo como base a amizade, sobre a qual construiram o amor e a cumplicidade mútua passando por todas as dores e revezes de amar junto, viver junto, dormir e acordar junto, ser santo junto. Jamais me esquecerei da imagem do vovô e da vovó rezando o terço juntos, intercedendo por todos, ou dele recitando ou narrando a novela para ela que, enxergando muito mal, não conseguia reconhecer os personagens na tv preto e branca, que ficava na sala.
Quando o vovô morreu eu ainda era menina e me lembro dele com respeito e cerimônia, mas nada negativo, acho que não poderia ser de outro jeito. Que papo ele poderia ter com uma neta carioca, menina de tudo? Acho que jamais conversei com ele, mas na tentativa de um contato, algumas vezes tive a honra de comprar seu cigarro Mistura Fina no bar da esquina e ganhar uma moedinha de troco. A primeira vez que botei um cigarro na boca, foi uma guimba de Mistura Fina... pense numa coisa ruim... Mas minha gratidão especial estes dias de Advento pela vida do vovô João, foi pela herança espiritual de homem de Deus que ele deixou para a família, mesmo com todas as suas limitações humanas e seu temperamento tímido. Penso que a mamãe, dos filhos e filhas a mais parecida com o vovô, herdou dele a piedade. Herdou de ambos, pois a vovó também amava a Deus para além, muito além do rito, da forma e da fôrma, mesmo sem prescindir deles.
Com a vovó era o contrário, a gente conversava e lia para ela. A gente aprendia com ela. Vovó Glorinha era lindinha e eu tinha um enorme carinho e respeito por ela. Nós que éramos visita e de fora, a tratávamos com mais cerimônia e uma certa veneração que minhas primas e primos não tinham porque a viam semanalmente e sempre, pois moravam na esquina. Isso é tão interessante e quase um mistério pois nós que estávamos longe, os Sala e os Pimentéis, nos deixamos tocar tremendamente pela herança espiritual recebida de nossos avós maternos, grande tesouro escondido, enquanto houve aqueles, entre nós, que se enrigesseram de tal forma que fizeram questão de perder a herança, com vergonha até.
Lembrei-me esta semana da honra que foi para mim conseguir chegar a tempo de ser incluída no teatro de Natal, não sei bem em que ano, que aconteceria na casa da vovó e do vovô e que eu e a Adriana, minha irmã, nunca podíamos participar porque não dava tempo de ensaiar. Chegávamos sempre na véspera do Natal por causa do trabalho da mamãe. A gente sempre era público. Marco e Bill nem existiam ainda ou se existiam eram bem pequenos e não faziam parte do meu universo de recordação. Mas naquele ano eu cheguei a tempo de poder ser a estrela do presépio. Entraria em cena e ficaria de pé, atrás, iluminando o Menino Jesus, o caminho dos Pastores, atraindo os Reis Magos... Lembro-me das instruções da tia Mana ou tia Nini, não sei bem de qual das duas, mas ambas tinham este dom de lidar com os meninos. E me lembrei da cena, eu de pé, bem concentrada, segurando uma estrela e sendo a estrela.
Na gratidão dessa semana chorei de pura alegria porque entendi que esta herança recebida da família foi um grande dom guardado em mim, que um dia o Espírito Santo acordou e tornou próprio, tornou meu, amadureceu, tem amadurecido e tem feito vivo em mim e para mim. O Natal é história mas o nascimento de Jesus é vida na minha vida e aquela menina feliz que um dia fez o papel de estrela, hoje se debruça e adora o Seu Senhor e chora. Chora de pura gratidão pelo tanto que tem recebido e percebe que a luz da estrela, a luz do Espírito, continua brilhando no meio da noite para quem quer encontrar o caminho até o Menino. Basta erguer os olhos, ela está lá.

Um comentário:

Clara Arreguy disse...

Elena, Habibti,
você tem se superado na emoção de vasculhar a memória e encontrar ali as raízes do que fomos e as pistas que indicam como chegamos ao que somos hoje.
Também guardo lembranças daquele tempo, de nossas férias, em BH ou no Rio, e essas memórias se adocicaram mais ao ler seu texto.
Beijos e feliz Natal, minha irmã!