Minhas expectativas não foram em vão no que diz respeito à Liturgia do tríduo Pascal no rito católico greco-melquita que é, na origem, bizantino. Pela manhã a festa da instituição da Eucaristia e do sacerdócio na paróquia de Isifya, foi simples e muito bela, principalmente pela salmodia. As melodias não têm nada a ver com as melodias 'ocidentais' mas guardam um mistério que eu tenho pra mim, remontam ao canto livre no Espírito. Não teve também lava-pés como temos no rito latino, e toda a ênfase fica na Palavra de Deus, quando Jesus, Senhor e Mestre, se faz servo e escravo e nos promete a felicidade se nos tratarmos mutuamente desta mesma maneira: em atitude de serviço e não de dominação.
Na Catedral houve uma festa mais solene por conta da instituição da Eucaristia e do Sacerdócio e, pela primeira vez a Eucarista é deixada em adoração num ostensório belíssimo com todas as pompas e flores como merece a festa, a solenidade.
De tarde tivemos o primeiro dia de retiro para os membros do grupo de oração, já em caminho vocacional, que fazem parte da Obra Shalom. O clima e o 'tema' da tarde já era a Paixão do Senhor porque na perspectiva judaica-bíblica e oriental-cristã, no entardecer já celebramos o dia seguinte. Às 18h fomos para a Catedral Melquita, do lado de Centro de Evangelização, e lá participamos da celebração da morte do Senhor. Foram três horas de celebração e doze textos do evangelho alternando os 4 evangelistas, fundamentalmente S.João, de 13 a 19, e Mateus. Descrito assim a primeira reação é pensar: 'ninguém merece! quem é que aguenta?'. E eu entrei na igreja pensando que o cansaço fosse me alcançar, com o agravante de não conseguir acompanhar os cantos que alternam cada texto do evangelho, por serem em árabe. Mas tenho que confessar: o mistério, a Palavra de Deus (lidas em português, graças a Deus), as melodias, mesmo sem eu entender, de tal modo me tomaram pela força da unção e da glória de Deus, que eu não senti sede, cansaço, fome, nem vi o tempo passar!
A morte do Senhor é cantada com salmos de louvor, palavras de glória, de Santo, Santo, Santo. Segue a lógica de S.João que fala da paixão do Senhor como sua glória! O relato da Paixão começa no lava-pés, passa pelo julgamento, a flagelação, a crucificação e o supultamento. Na hora que chega o evagelho que fala da morte as luzes da igreja se apagam e o bispo arrasta uma cruz de madeira em procissão pelo interior da igreja, dando três voltas. A sua frente segue um sacerdote incensando o ambiente. Atrás dele segue um outro sacerdote carregando numa bandeija um martelo de metal e pregos do jeito que foram os usados em Jesus. Um terceiro sacerdote carrega um cristo de madeira como um corpo morto e atrás destes três vem o bispo carregando a cruz ajudado por um jovem que faz o papel de Simão Cirineu. O coral canta os louvores do Servo Sofredor e salmodia, e o povo participa com profunda reverência e amor, de coração. No fim da terceira volta o Cristo é literalmente pregado na Cruz, a gente ouve os pregos sendo fincados, e a Cruz é suspensa e fincada num calvário de faz de conta montado na lateral da igreja.
Eu chorei de pura emoção e gratidão pela celebração litúrgica, pelo mistério presente naquela igreja, pois não era um teatro, uma representação, uma encenação. De alguma maneira o Espírito Santo atualizava a salvação do Senhor no coração de todos os que ali estavam presentes, sedentos e cheios de gratidão. Foi lindo demais, é o mínimo que posso dizer!
Quanto amor, meu Deus! Com que amor tu nos amaste, tu me amaste! Bendito seja o Senhor cujo rio de vida e salvação, corre desde aquele grito do Calvário: 'Pai, tudo está consumado' por dentro da história alcançando todos aqueles que são dele desde sempre e para sempre... Como não te amar Senhor?
Amanhã, sexta-feira, éxequias do Senhor, me disseram que é mais lindo ainda... Sempre aprendi que a riqueza do rito oriental era única, mas nunca pensei que fosse tanta. Acho que tive uma experiência de eternidade, quando a beleza e o amor param o tempo e ele também se dobra em adoração diante do Filho de Deus, Jesus Cristo.
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